Promotoria avalia caso Mércia

Ao término do quarto e último dia, nesta quinta-feira (21), da audiência de instrução do caso Mércia Nakashima, a Promotoria e as defesas dos acusados, o policial militar reformado e advogado Mizael Bispo de Souza e o vigia Evandro Bezerra Silva, avaliaram como positivos os testemunhos dados ao juiz Leandro Bittencourt Cano no Fórum Central de Guarulhos, na Grande São Paulo.

Para o promotor Rodrigo Merli, os depoimentos, inclusive das pessoas trazidas pela defesa, deram mais elementos para que seja feito um novo pedido de prisão preventiva dos acusados. No entanto, o pedido de prisão só será feito após o Tribunal de Justiça decidir sobre o mérito da competência – se o processo será transferido para Nazaré Paulista, no interior de São Paulo, onde o crime foi cometido, ou se permanecerá em Guarulhos –, de acordo com o promotor, que chegou a ser irônico sobre as testemunhas arroladas pela defesa.

“Agradeço inclusive à defesa pelas testemunhas que arrolaram para a audiência, porque, com seus depoimentos, trouxeram novos elementos e nos ajudaram ainda mais”, declarou. Segundo o promotor, Mizael ratificou o itinerário que havia feito no dia do crime e caiu em contradição em alguns pontos, assim como Evandro. “Mizael não só confirmou o itinerário como  também as ligações telefônicas feitas ao Evandro no dia”, afirmou.

Desta forma, o promotor não vê motivos para os acusados continuarem respondendo em liberdade. “Nos depoimentos ficou claro também que diversas testemunhas se sentiram ameaçadas (pelos acusados). Poucas aceitaram falar na presença dos acusados. Além disso, o Evandro confirmou que Mizael anda armado. Isso tudo pode servir para o decreto de prisão”, disse.

Ivon Ribeiro, advogado de Mizael, por sua vez, afirmou que não “houve contradições (por parte dos acusados), somente lapsos”. “O tempo faz com que alguns detalhes específicos, como horários, locais, caíam no esquecimento. Além disso, ele (Mizael) não quis falar algumas coisas em respeito à família”, declarou.

O fato de os acusados não terem sido pronunciados ao término da audiência não foi considerado uma vitória pela defesa. “Não é uma vitória. Mas estamos tendo uma oportunidade de discutir a questão do direito. Não obstruímos em nenhum momento os andamentos dos trabalhos. Mas acho que as pessoas têm de passar a respeitar o profissional de advocacia, porque quando alguém precisa é na porta dos advogados que vão bater”, disse, sobre os protestos em frente ao fórum durante a audiência.

Na próxima semana, o Tribunal de Justiça deverá anunciar a decisão sobre o mérito da competência. Caso se confirme a permanência do processo em Guarulhos, o juiz Leandro Bittencourt Cano estipulará um prazo de 10 a 20 dias para a Promotoria e depois acusação se posicionarem sobre os interrogatórios feitos durante a audiência. Depois disso, o juiz terá mais 10 dias para decidir se pronuncia (manda a júri popular) ou não os acusados pela morte de Mércia Nakashima. Desta forma, a decisão final só deverá ser conhecida, possivelmente, no final de novembro.

Acusados

O vigia Evandro Bezerra Silva, de 39 anos, negou na tarde desta quinta-feira ter participado do assassinato da advogada Mércia Nakashima, em maio deste ano. Em seu depoimento, ele afirmou que chegou a confessar o crime após ser submetido a tortura. Antes de começar o interrogatório, o juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano ofereceu a possibilidade da delação premiada ao vigia, que recusou o benefício, no qual uma pessoa presta informações com o compromisso de ter a pena atenuada. O advogado José Carlos da Silva, que defende o réu, disse que não é do "feitio do cliente dele mentir, ainda que isso pudesse beneficiá-lo".

Além de negar envolvimento na morte da vítima, Evandro afirmou que o delegado Antônio de Olim, que presidiu o inquérito, mentiu sobre o episódio da tortura na delegacia em Aracaju. O delegado foi ouvido na terça-feira (19).

O vigia relembrou que foi preso em Canindé de São Francisco, em Sergipe, onde prestou um primeiro depoimento. Depois, foi transferido para Aracaju. Ao encontrar o delegado, Evandro disse que Olim falou: “Vim para te ajudar e para ser ajudado”. O vigia afirmou que o depoimento em que faz a confissão foi gravado depois de ele ter sido torturado. “Ele [Olim] mentiu em seu depoimento”.

Segundo Evandro, dois policiais o levaram até uma sala no distrito policial e Olim ficou em outra, ao lado. Na sala para onde foi levado, Evandro afirmou que tinha dois delegados, quatro policiais e os outros dois policiais que o levaram para a sala. Lá, colocaram fita adesiva nos pés dele, mas não apertaram, disse.

Evandro afirmou ainda que os policiais viraram para ele e disseram: “Vai colaborar ou não? Aqui, você não fala o que você quer, você fala o que a gente quer. É melhor você falar porque você não vai aguentar”. O vigia contou que colocaram uma fita na boca dele e disseram para ele que, se quisesse falar alguma coisa, batesse os pés.

Segundo relato do réu, em seguida, começaram a colocar saco plástico na cabeça dele. Na quarta vez, ele disse ter desmaiado e, depois de acordar, foi levado para outra sala onde estava o delegado Olim com câmera e gravador. Foi aí, afirmou Evandro, que ele confessou.

“Antes do doutor Olim chegar a Aracaju, não aconteceu nada”, disse Evandro, ligando o delegado que investigou o caso à tortura. Além disso, durante o vôo de volta a São Paulo, Evandro afirmou que Olim tentou convencê-lo a manter a versão apresentada no segundo depoimento, no qual confessa o crime e que foi gravado, que deu em Aracaju.

Ao chegar a São Paulo, Evandro disse que manteve a segunda versão porque se sentiu "pressionado". "Fui pressionado a falar o que eu tinha falado pelo doutor Olim. Eu ratifiquei porque eu já tinha sido torturado lá, pressionado e estava abatido. Por isso que eu confirmei o que falei lá", explicou.

Ao ser questionado pelo juiz sobre um incidente em uma barreira policial em uma estrada próxima à represa de Nazaré Paulista, onde o carro e corpo de Mércia foram encontrados, Evandro caiu em contradição. O próprio vigia havia citado a barreira policial em sua confissão em Sergipe. Ao ser questionado sobre o episódio, ele afirmou que o delegado que havia falado para ele sobre a barreira durante a viagem de volta à capital paulista.

O juiz, então, o informou que Olim, em seu testemunho na audiência na quarta-feira, havia declarado que só soube da barreira policial muito tempo depois. "Ele (Olim) está mentindo", repetiu Evandro, diante da contradição. Em outra parte de seu testemunho, Evandro confirmou que prestava serviços para Mizael e que este andava armado.

Olim disse que "não torturou ninguém". "Ninguém conta uma história daquelas sendo gravado com uma calma daquela", disse ao G1, sobre o depoimento dado pelo vigia no Nordeste. "É tudo mentira dele."

Nesta quinta-feira (21), a Justiça também interrogou o policial militar reformado Mizael Bispo de Souza, de 40 anos, ex-namorado de Mércia. Ele negou o crime.

Mizael respondeu a várias perguntas sobre o dia 23 de maio, data do desaparecimento. Primeiro, ele disse que ligou “duas ou três vezes” para a ex-namorada. As investigações apontam, no entanto, que ele telefonou 16 vezes para ela de um telefone cadastrado no nome de outra pessoa. Mizael confirmou que esse telefone pertencia a ele.

“Agora, sim, eu me recordo, comprei no shopping. Não era de uso contínuo, mas de uso pessoal”, afirmou. Questionado por que não falou sobre o aparelho, ele disse que esqueceu. “Não lembrei. Com toda aquela pressão, a gente acaba ficando sem muita noção das coisas. Devo ter ligado [as 16 vezes], mas completadas foram três.”

O réu continuou alegando que esteve com uma prostituta na data do desaparecimento de Mércia. Em outros depoimentos, ele afirmou ter ficado três horas com a mulher. À Justiça disse que o encontro durou cerca de uma hora e meia. Ele afirma ter encontrado a prostituta em uma alça de acesso da Rodovia Hélio Smidt. Houve uma conversa rápida, de cerca de “cinco segundos”, e a mulher seguiu com ele de carro, até o ponto onde estacionaram o veículo. Mizael disse que a mulher tem olhos claros, cabelo preto, é morena clara e mede cerca de 1,67 metro.

Mizael confirmou que esteve com Mércia na noite do dia 22 de maio, um dia antes do desaparecimento, e que os dois foram ao cinema. Uma semana antes, no dia 16, eles se encontraram e dormiram juntos em um local na Rodovia Fernão Dias, ainda segundo o réu. Ele lembrou que, na manhã do dia 23, a ex-mulher ligou para ele várias vezes dizendo que a filha tinha sido sequestrada. Depois, o rapto não se confirmou, mas ele ficou abalado com o fato.

Ele nega ter estado na represa de Nazaré Paulista, onde o carro e o corpo da advogada foram encontrados. “Nunca estive na represa de Nazaré, ninguém me viu lá”, afirmou. Mizael disse que não costuma usar sapatos no fim de semana – a perícia encontrou uma alga compatível com as existentes na represa em um dos calçados dele. Ele afirmou que a descarga elétrica que afetou a mão dele também prejudicou o pé e, por isso, só usa tênis nos dias de folga.

O advogado também confirmou conhecer Evandro, porque "passava alguns bicos" ao vigia. Em duas ocasiões durante o interrogatório, houve discussão entre os advogados de defesa e os responsáveis pela acusação, principalmente durante as perguntas da Promotoria.